09/08/2009

[5] Gotas recolhidas

A carrinha da Instituição ficou de levar o José no dia seguinte para fazer uma visita ao Centro de Dia e almoçar lá. Este vestiu a roupa de domingo e foi. Gostou do que viu e da refeição, e concordou em fazer uns dias de experiência, após o que fez a inscrição e foi admitido. Passou a ter refeições decentes, higiene pessoal como deve ser, e roupa tratada. A casa e a cama foram desinfestadas e esta levou um colchão e cobertores novos. Passado uns tempos já nem parecia o mesmo, de aspecto asseado e bem alimentado.
O pedreiro foi mandado ver o telhado e fez um orçamento. Chegou-se à conclusão de que o dinheiro do José era mais do que suficiente, não sendo necessário recorrer a qualquer ajuda externa. Afinal, por via do dinheiro, ele não tinha necessidade de ter estado tanto tempo naquela miséria. Mandou-se, assim, fazer um telhado novo, substituir o soalho de madeira, velha e podre, por material facilmente lavável, fazer obras exteriores na entrada da porta principal da habitação e, ainda, substituir uma janela em muito mau estado.

Durante o tempo em que decorreram as obras, o José passou a dormir na Instituição, na Unidade de Apoio Integrado (UAI) – uma resposta social de permanência temporária, de períodos de quinze dias, renováveis no caso de se justificar, destinada a pessoas com necessidades de apoio social e de cuidados de saúde continuados, com os objectivos de lhes criar condições de autonomia, de forma a habilitá-las a regressar ao seu domicílio; ou de convalescença de doentes, após alta hospitalar, e ensino às famílias e outros prestadores de cuidados informais do modo de os cuidar; e receber outros idosos ou doentes para descanso dos familiares. Este caso enquadrou-se perfeitamente nesta resposta, mas o José teve sorte, pois passado algum tempo, a Segurança Social deixou de querer continuar a comparticipar esta resposta social, o que levou depois a deixar cair esse acordo de cooperação e passar essas camas, afectas a essa resposta, para alargamento da resposta social de Lar de Idosos. Caso, na altura, não houvesse UAI, teria sido mais difícil o acolhimento do José durante o período em que decorreram as obras, o que levaria a ter de se procurar outra solução, talvez com recurso à comunidade, apesar de ninguém se ter disponibilizado para ajudar ou mostrado grande interesse pelo facto. Isso era assunto para a Associação resolver, ela é que está vocacionada para isso, é para isso que ela existe – parece ser pensamento consensual generalizado.

Depois das obras concluídas e melhoradas as condições interiores, a higiene habitacional passou a ser assegurada pela Instituição e o José pôde usufruir de uma melhoria na sua qualidade de vida.

Junto com o telhado veio “cama, mesa e roupa lavada”: meio caminho andado para a felicidade.

Fim

03/08/2009

[4] Ainda mais gotas

Sentiu-se bem toda aquela miséria. Era necessário fazê-la também entender ao José que, por estar tão habituado a ela, por não conhecer outra maneira de viver, parecia não se incomodar muito. Era preciso fazer-lhe perceber bem o estado degradante que o envolvia e que se agravaria, na certa, com o próximo Inverno. Se viesse um temporal o telhado estava sujeito a ruir.
Mas como é que pode viver aqui, assim, senhor José? O telhado precisa de ser arranjado, senão qualquer dia cai… e mesmo, quando chegar o Inverno chove aqui com força e molha-lhe a cama toda… depois pode ficar doente. Ele assente: Pois era… pois era… mas como é que há-de ser? Se quiser, manda-se cá um pedreiro ver e fazer um orçamento… e tenta-se que alguém dê uma ajuda, ou algum subsídio… Encolhe os ombros. Pergunta-se-lhe quanto recebe de pensão. Diz que não sabe, que é o que lhe dão no banco.
Tenta-se saber como é que passa o dia. Diz que é por aí. Às vezes pega na enxada e entretém-se a roçar umas ervas atrás de casa. E outras, vem para a rua ver e falar com quem passa. Come umas sardinhas assadas com pão ou umas batatas cozidas e bebe uma pinga. Não bebe leite. Mas, às vezes, acolá a dona do restaurante manda-o lá ir buscar uma sopa.
Perguntam-lhe se não gostaria de experimentar a ir até ao Centro de Dia… almoçava lá… vão lá passar o dia pessoas que conhece… tinha lá companhia para se distrair… Nunca se sabe! – Responde.
A Assistente Social insiste se não tem nenhum papel da pensão. Ele procura na carteira… cheia de notas… pasme-se: muitas notas! Um perigo! O dinheiro acumulado de vários meses. Traz aí o dinheiro todo que tem… Não. Tem mais no banco… uma conta a prazo.

(continua)

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